das ironias da vida e de como uma condição se transforma em pontos de orgulho
Sou,
quando me deixam, professora. Assumo que não o sou por vocação, que não foi o
meu sonho de sempre. Mas, com a mesmo honestidade com que o afirmo, assumo também
que gosto muito do que faço e que me enchem de orgulho todos os alunos que me
vão passando pelo caminho e com quem ato nós
e laços que não se desatam. Fazem parte desta pessoa que sou, preenchem-me
parte da alma e sempre espero fazer (um pouquinho) parte da deles. E alguns são
especiais. Se são especiais…
Nunca
quis ser cabeleireira, nem médica, nem bióloga marinha. Bailarina, em alguns
momentos. Sempre sonhei que ia ser juíza. Sempre me disseram que não seria a
escolha acertada. Decidi arriscar.
Da
Universidade Católica, no Porto, guardo as memórias de tempos bem passados, da
proximidade diária do mar, da Foz do Douro, do meu adorado Ourigo, de alguns dos melhores professores de direito deste país.
Dos dois anos passados entre Constitucional, Civil, Administrativo e outras
pérolas, guardo a ironia de ter gostado apenas das disciplinas de Economia e
Ciência Política. Dos meses em que
tentei (oh, se tentei) gostar do curso de Direito, guardo gente boa, alguns
bons amigos. Deste tempo, guardo, acima de tudo, o amigo. O melhor amigo do
mundo.
Sonho
para trás das costas. Sem arrependimento. Começo a pensar que serei boa
jornalista de imprensa. Burocracias deste país. Não se consegue uma
transferência por…mariquices. Sem
problema. Vamos lá ao que sempre me disseram ser a minha cara: ensinar.
Quatro
anos depois, a escola. A sala de aula. As turmas. O prazer de vê-los descobrir
coisas boas da Língua. Alguns anos depois, alunos licenciados. Alguns anos
depois, os amigos que vou reencontrando amiúde e que acompanho à medida que a
distância permite.
Seis
anos depois, uma outra forma de ensinar e aprender. Três salas. Muitos alunos e
o dobro dos pais e avós. Muitos laços apertadinhos e que não deixo desatar.
Hoje, alguns alunos na universidade, outros a caminho. Os pais e avós que
continuo a ter no coração e os alunos amigos que tenho diariamente comigo, à
distância do que nos une, com o orgulho de saber que fizemos estrada juntos.
Pelo
meio, muitos estrangeiros com vontade de falar Camões. Somos amigos também.
Vamos partilhando este gosto pelas dúvidas e pela cultura linguística. É bom
perceber que mantêm o ritmo da descoberta, de serem cada vez mais portugueses
numa terra que os quer por cá.
Porquê
hoje? Porque hoje, no metro, dei de caras com um cartaz relativo a conferências
que decorrerão em Lisboa, sobre Pessoa. Entre os nomes em destaque o de um
aluno. Um muito orgulhoso irlandês que se apaixonou pela loucura pessoana e
decidiu vir procurá-la mais de perto. Por cá ficou e, com orgulho, vejo agora
que chegou ao top dos estudiosos do poeta.
São
estas coisas que fazem do ser professor uma profissão diferente de qualquer
outra. Não melhor, não pior. Apenas diferente e mais relevante.
Efetivamente,
a desmemoriação atingiu o Sr. Aníbal, o Pedro, o Paulo, o Nuno e outros tantos
que se esqueceram que, ao longo de muitos anos, foi com os professores que
passaram a maior parte dos seus dias. Acabo por ter pena deles também. Nunca
saberão que este orgulho existe e que há caminhos que se percorrem em conjunto
e que nos fazem ser melhores pessoas. Triste sorte a de quem é vítima da sua
falta de memória. (Simpática, estou hoje eu.)
Os
meus alunos têm nome. São a Sara, o Ricardo, o Filipe, a Margarida, o Vasco, a
Márcia, a Rita, o Diogo, o Zé, o Blanco, a Linn, o Bartolo, a Maria, a Sabira,
a Mariana e outros tantos que guardo bem dentro do ♥ . Um
dia, com todo o tempo do mundo, falaremos um pouco mais…
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