Querida Fátima,

 

Hoje, escreve-te a Mãe Ana, com a certeza de que aqui deixará as palavras que a Mimi não sabe ainda dizer e com a certeza maior ainda de que tudo o que aqui fique registado estará bem aquém de tudo o que ela sente.

Esta Mãe Ana acredita que aquilo que é dito, porventura, perder-se-á nas curvas da memória. Já o que é escrito, fica para a eternidade. Como sempre gostei de cartas, sobretudo das que falam de Amor, escrevemos-te hoje: eu, o Pai e o coração da Mimi.

Há uns tempos, disse-te que havia uma história que ficaria para contar mais tarde. Chegou o dia. Estávamos em confinamento, com a distância de um computador pelo meio e o maior contacto que a Mimi tinha contigo era nas aulas online. Um dia, zanguei-me com ela, por algum motivo de que não me recordo. Deixei passar a birra, acalmar a ansiedade e, nessa noite, deitei-me com ela, para tentar fazer pedagogia.

– Mimi, quem é a pessoa que mais gosta de ti no mundo?

– A Fátima. (Boa, mãe... Tenta uma segunda vez.)

– Certo, a Fátima, claro. Então, vá... Quem são as duas pessoas que mais gostam de ti no mundo?

– A Fátima e a Mónica.

– Muito bem... Mas a Fátima e a Mónica também se zangam contigo, verdade? Afinal, porque só se zangam connosco as pessoas que gostam muito de nós e querem que sejamos sempre melhores.

Pois é, minha Fátima... e, com esta conversa, (apenas) confirmei o que soube desde sempre: que és A Educadora.

(Parêntesis para quem possa ler esta carta [tão pouco] pessoal: a Fátima é a maior. A melhor. É-o, porque vive o que faz, vive para o que faz e faz de cada criança a criança mais especial e mais feliz do mundo. Tenho o privilégio de trabalhar no Colégio onde a Mimi está. Da janela cá de cima, assisti a muitos recreios, a muitas brincadeiras, a outros tantos choros. Mas foi da janela cá de cima, que assisti a um dos momentos mais bonitos e ternos a que poderia ter assistido. A Fátima sentada e, em frente, uma fila de meninos. À vez, cada um ia para o seu colo. Era o Dia do Colinho, na última semana do  terceiro período. Sei que houve o dia dos miminhos e do abraço também. Bolas, Fátima! Chegou a vez da Mimi e eu chorei. Que doçura! Segui em frente e, minutos depois, tive que voltar a passar junto da mesma janela. A Mimi, de novo, na fila. Fiquei confusa, mas aproveitei para registar o momento. No final do dia, o entusiasmo: - Mãe, hoje foi o dia do colinho e eu fui cinco vezes para o colo da Fátima. Cinco vezes, Mãe! – Na verdade, não tinha sido um colo, dois ou três. Foi o teu colinho e aí está o segredo do sorriso. Nesse dia, quando contei, por mensagem, ao Pai aquilo a que havia assistido, ele disse apenas a verdade: sim, a Fátima é brutal... se todos os educadores fossem assim... este mundo seria um sítio bem melhor... É isto: fazes do mundo este lugar melhor.)

Lembras-te? Deixei-te uma miúda pequenita, com três anos acabados de fazer. Entregas-me, agora, um miúda que vai continuar a descobrir o mundo, mas que leva, em cada um dos seus dias, a tua assinatura. Tu és, sem dúvida, uma parte gigante daquilo em que a Mimi tem vindo a tornar-se. E também por isso te agradecemos. Temos a certeza de que, no seu coração de cinco anos, cabe a grandeza do que lhe deste, das lições aprendidas, do saber olhar o outro e dar-lhe a mão.

Obrigada por tudo, Querida Fátima. Obrigada por tanto! Obrigada pela brincadeira, pelos passeios no Parque, pelas lengalengas, pelos dias da mãe e do pai, pelas discotecas (Dj Raphi sempre a bombar, aqui em casa), pelas mangueiradas, pelos teatros, pelos livros, pelos almoços lá fora, pelo flamingo e pelo ouriço (perdoa-me o que só tu sabes...), pelas fotos que chegaram, religiosamente, em cada sexta-feira, pelas idas à praia, pelos vídeos deliciosos, pelos abraços, pelo aconchego, pelas preocupações,... Obrigada!

Sorriremos, até à eternidade, ao lembrar o Pico-Pico. Ninguém iria arranjar um ouriço de verdade – de verdade, Mãe! Um ouriço de verdade! -, a não ser tu. Sorriremos, até à mesma eternidade, a lembrar as festas com bolo e sumo e gelatina e limonada – Eu escolhi fazer a limonada, Mãe! Não gosto muito de cozinhar. – Sorriremos, mesmo que não tenha sido o que desejaríamos, ao lembrar as aulas online, pelas quais a Mimi esperava de forma espetacular: só tu para pores cada miúdo a fazer um bolo, em sua casa, ao mesmo tempo; a dançarem à distância de um computador; a fazerem contas e letras e a ouvirem histórias, como se estivessem ao teu colo. Nem aí, quando o chão de todo o mundo parecia desabar, tu nos falhaste. A nós, pais, e a cada um dos meninos de uma turminha que se tornou o teu reflexo!

Esta carta foi sendo escrita ao longo de alguns dias. É, sim, uma carta de Amor. Deixei-a, propositadamente, para hoje, pois não iremos cruzar-nos nos próximos tempos... Não te escrevemos, bem sabes, porque o novelo da amizade tenha vindo a crescer. Escrevemos-te, sim, porque as palavras não se gastam, o papel branco pede coisas bonitas e tu és o que de mais bonito a vida nos deu...

 Ah! O bolo de Lamego há de continuar a chegar...

Um beijinho,

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