Parabéns, miúda! ♡


40. Quatro décadas de estrada. Quarenta voltas ao sol, sempre na companhia da lua. 40.

Pouco me interessa se os quarenta são os novo trinta. Até podiam ser os novos vinte. Afinal, não tenho mais do que dez e, comigo, continuo a ter ainda mais do que todos os sonhos do mundo. Guardo-os em mim, ponho-os cá fora a cada dia e, firme, sei que irei concretizá-los. Basta-me o que de melhor posso ter: a vontade.

Não posso, nem quero, fugir às datas, aos números, ao símbolo que podem encerrar. Estou cá, são quarenta que celebro e, em cada um deles, todos os passos que dei até aqui, as quedas, os saltos de conquista, as desistências, as lutas, o levantar depois e acelerar o passo. Estou cá, são quarenta que celebro e, em cada um deles, todas as pessoas que me fizeram e as que me desfizeram também.  Sou o que fui. Bem, mal, com mais ou menos orgulho, sou o que fui.

Tenho memórias muito, muito antigas. Recordo com clareza momentos de quando tinha perto de três anos. Do Colégio que me abriu os braços, que me moldou à imagem dos valores que delineava como ideiais. E que sempre o são. Do Colégio, guardo o rigor, a importância da formalidade quando era exigida, o respeito pelo professor, pelos amigos, pelo estudo, pelas festas da Imaculada, de Natal e de fim de ano. Do Colégio, guardo os alicerces mais fortes depois da família, guardo uma parte grande do que sou.

Tenho memórias muito, muito antigas. Recordo com clareza momentos de quando, em casa, éramos muitos à volta da mesa e de que não somos dois mas quatro e de que, quando alguém bate à porta, há sempre algo para partilhar. Tenho o cheiro da marmelada que secava ao sol, a roupa meticulosamente estendida, as flores do quintal, a chuva e o cheiro a terra molhada. Tenho a grandeza de vizinhos que eram família e a certeza de que nunca, ninguém, deverá sentir-se só.

Tenho memórias muito, muito antigas e que começaram a avançar até ao presente. Tenho, em mim, uma escola feita de Gente boa, de professores que eram amigos e que são modelo. Tenho, em mim, nessa escola, as tontices da adolescência, as promessas de amor eterno, as amizades que não iriam terminar. Tenho, desta escola, a irreverência do proibido, a tentação do pisar o risco. Tenho, destes anos, as dúvidas existenciais, as certezas mais profundas, os devaneios mais pueris. Tenho, de cada canto, saudades.

Tenho, do passado, a certeza de que seria juiza. Oh, pessoas... E que péssima juiza teria sido. Mas foi dessa certeza absoluta que, em segundos, se desfez em pó, que trouxe até aos quarenta, das pessoas mais bonitas que a vida me deu. Talvez dos meus melhores presentes. Dois anos de mar, de sol até à lua chegar, de descobertas de uma miúda que se fez à estrada, sempre com o pé no comboio, para o momento do regresso.

Pelo meio, as certezas da Fé. A mesma que nos preenche a alma, nos acalma o espírito, nos dá as respostas. Um pilar do que sou ainda, mesmo que longe, que há mistérios insondáveis que a vida ainda não (me) devolveu – talvez não tenha ainda procurado o suficiente. Daqui, sem dúvida, os melhores amigos do mundo, os que dão a mão e a quem me entregaria de olhos fechados, sem saber o destino da viagem. Daqui, a verdade mais verdadeira, a descoberta do mundo, do Amor que não se explica.

Entretanto, o destino a trazer-me onde me encontro. Serás aquilo que sempre disseste que não serias e farás do futuro de quem cresce o teu próprio futuro. Não fui feliz naquela arquitetura oblíqua, com o rio lá ao fundo. Havia sido tão mais feliz antes....

Depois, cumprida a missão de aprender a ensinar, a maior lição do mundo: a de que a vida é pó entre as mãos, de que em momento algum nos pertence e tem o seu ponto final quando chega o fim da linha. A queda. A maior de todas. E, com a queda, a maior das dores. A que consome, mói e conduz a estradas secundárias, mesmo sabendo que há uma melhor ali ao lado.

Pelo meio, a (re)descoberta de que dar a mão e ajudar a caminhar é o que nos move. Percurso interrompido, com a certeza de que hei de lá voltar: aos outros, a quem nada tem, a quem apenas é, sem que precise parecer, e tem, no coração, um tesouro. Hei de lá voltar, sem prazos ou expectativas. Um dia, em algum lugar, onde um espacinho seja meu.

E, de novo na estrada principal, voltei ao ponto de partida: a escola de onde, acredito, nunca saí. As vidas que me ensinam o que não encontrei nos livros. O desejo de agarrar o mundo, porque ele acaba já ali e – professora – é preciso refrear ânimos e mantê-los, ao mesmo tempo, bem vivos. E, daqui, o bom que é acordar e saber que somos mais do que estamos, de que, por muito que a ciência avance, é ali que está o futuro e, nele, as maiores aprendizagens. E, talvez por isso, a vida me tenha posto aqui: para que nunca deixe de estudar, de aprender, de saber ouvir e de estar presente. E que nunca, enquanto a audácia mo permitir, deixe de saber que é para isso que aqui estou: para abrir caminho, deixar pistas e, sempre atrás, estar perto o suficiente para não deixar cair.

E é nesta estrada principal que li, de forma clara, a Vida. O Amor desmedido. A loucura do incalculável. O que jamais alguém escreverá. E da grandeza dos dias, a verdade da Família, onde está o Tudo que não encontrarei em mais lugar algum.

40. Quatro décadas de estrada. Quarenta voltas ao sol, sempre na companhia da lua. 40. Sorrisos, muitos, que é a sorrir que me encontro e me faço encontrar. Quedas, com mazelas que a pomadinha não tirou, mas que fortaleceram a alma. Abraços, muitos, que aconchegam quem sou e o que sou. Lamego, onde enterrei a minha raiz e que a terra não deixa arrancar. O Porto, que me deu, embrulhado em tantos encontros quantos os dias,  o melhor e o menos bom que a vida tem. E agora, aqui, o Amor. O Maior Amor do mundo.

Ah... enganei-me, pois claro. Fica já escrito o texto. Não são 40, não senhor! São 39, que 2020 não conta!

Parabéns, Ana Filipe. Tens ainda tanta estrada para andar... 

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