dez voltas ao sol ☼

Queridas filhas,

Neste espaço, cabem, antes de tudo o resto, a mãe e o pai. E, com eles, a história que fez que chegássemos até aqui. Com curvas, muitas, altos e baixos, encontros e desencontros demasiados. Tudo o que se quer para uma receita de final feliz. Contam-se hoje dez voltas ao sol.

Por vezes, perguntam-me como nos conhecemos e ficam surpreendidos por sermos ambos da mesma terra. Talvez, num mundo moderno, as almas gémeas se encontrem vindas de locais distantes e, num golpe de sorte, cruzem algures numa passadeira da cidade grande. Não foi assim, a nossa história.

Não sei precisar quando, mas éramos crianças. Desde aí, crescemos juntos, mesmo que a vida que escolhemos nos fosse separando. Partilhamos a sala de aula, no secundário, numa disciplina de Francês onde disputávamos a atenção. O Pai, mais certinho, a Mãe, a arisca da turma, sempre pronta a passar a prova para que todos brilhassem no final (desculpe, Querida Prof. Inês, mas foi sempre com boa intenção).

Na hora de almoço, o Pai percorria meia cidade para levar-me a casa. E a subida era íngreme, que Lamego não se faz de planos. De mão dada, sempre, que aos quinze anos é assim que se enfrenta o mundo. Como hoje.

Fomos a Roma no verão de há vinte anos. Febres altas durante uma noite de trovoada e, de novo, a mão do Pai a fazer-me sentir que a âncora que nos prende à terra está lá desde sempre.

A universidade levou-me para onde sempre quis estar: o Porto do meu coração. O Pai foi para Coimbra. Pelo meio, algumas viagens de comboio que os amigos também sentem saudades. A mãe mostrou-lhe os jardins de seus encantos, o cheiro do rio, a neblina que lhe enchia a alma.

E assim vivemos um longo par de anos, entre encontros e desencontros mais ou menos propositados, numa espécie de quero mas não tanto, numa falta que se fazia sentir mas não se fazia notar.

Continuámos a crescer e a vida avançou sem que o comboio continuasse a ligar-nos. Muitas chamadas atendidas e outras tantas ignoradas. Dores, algumas, de crescimento. Muitas horas de desabafo à distância que os amigos partem mas continuam lá e depois zangam-se e voltam a partir e, pelo meio, perde-se o rasto contínuo e fica um tracejado apenas. Leve, subtil, mas doce e terno como as mãos dadas aos quinze anos.

Pedi um dia ao Pai que fosse ter comigo, ver o fogo do São João, celebrar o seu aniversário entre milhares de balões no ar. Queria apenas um abraço igual aos dos doze, treze, catorze anos. Estava a precisá-lo mais do que nunca. Sabia que poderia não atender-me ou que, se atendesse, talvez dissesse que não. Afinal, nem sempre o comboio tem o mesmo destino.

Vimos o fogo, os balões, a Foz, o rio e fomos, de novo, duas crianças de mãos dadas a caminho de casa, numa qualquer hora de almoço. Voltámos a ter o telefone por amigo, as manhãs de ansiedade e as noites de companhia distante.

Demos, entretanto, dez voltas ao sol. São, na verdade, muitas mais, que a vida, a nossa, começou bem lá atrás. Éramos crianças e olhavamo-nos com ternura.

Dez vezes doze, Rui Pedro. Estás pronto para outro tanto?

[o Pai vai matar-me por tornar pública esta foto. Tem vinte anos. A mãe arisca e o pai carinhoso. Sorridentes. Abraçados. Sempre.]
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