dos dias em que se aprende mais do que se ensina


[este espaço começou por ser meu. depois, nosso; mais teu que meu, na verdade. Mas esta mãe tem também muito que não é da Mimi e que quer registar para tua leitura, porque, afinal, dos meus dias se fazem também os teus; e porque, afinal também, escrever é uma paixão.]

Não sou professora porque quis mas porque me falharam outras alternativas. Foi o fim da linha, digamos. Não é também a ensinar que o meu coração bate mais forte.  Contas de outro rosário que por aqui já desfiei. (E não, querida filha, as mães não são todas professoras e os pais não  trabalham todos no escritório.)

Há, no entanto, em todo este processo, uma extraordinária atração que ainda não consigo definir, nem sei se algum dia o farei. Sei onde ela está, sinto que funciona e que me agarra com força, mesmo quando, levianamente talvez, digo que tenho de mudar de profissão. Há ainda tanto por concretizar...

Depois, bem...depois, dias que marcam a vida e a alma da gente. E que me fazem (re)confirmar que é nas pessoas que encontro o melhor da minha estrada e que há pais e mães e filhos e netos que não querem aprender funções sintáticas ou recursos expressivos. Pedem(-nos) primeiro a função que não seria a esperada e o recurso ao abraço torna-se quase o resultado esperado.

Não serei a professora que mais sabe, que melhor ensina, que dá as notas mais justas, que está sempre em equilíbrio pedagógico-lúdico-materno-rigoroso-e outras que tais. Não serei a que fecha a porta da sala e fica tudo bem. Não serei a que cumpriu os objetivos e vamos lá descansar que estes miúdos são insuportáveis. Também sou. Mas não o serei apenas.

Depois, bem...depois, dias que marcam a vida e a alma da gente. E que me fazem (re)confirmar que o olhar de cada aluno guarda aquilo que ele mais espera de mim, por muito que precise de conhecimentos para a sua vida. E é nesses olhares que deveríamos ser capazes de perscrutar o que vai lá dentro, o que inquieta, o que perturba, o que faz feliz, o que condiciona. É aí que estão as respostas. Não as das perguntas a que, em prova, ele não soube responder. As respostas para o que é uma necessidade atual e que, sim, poderá condicionar para sempre. Pouca diferença fará que não saiba o que é o pretérito imperfeito do indicativo quando aqueles olhos  indicam que imperfeito está a ser o presente, o mesmo com que se constrói o futuro.

E eu estou lá, todos os dias, de setembro a junho. A olhar, a julgar, a ensinar, a repreender, a avaliar, a ditar regras, a incentivar, a brincar. E eu estou lá, todos os dias, de setembro a junho e, tantas vezes, nunca fui para além do que aqueles olhos me quiseram dizer.

Sou filha, sobrinha, prima, amiga de professores. Daqueles à moda antiga e daqueles que contruíram a modernidade. Talvez me corra nas veias um qualquer sangue esquisito que me trouxe até aqui. Há dias em que fico fartinha, outros em que me apetece trazer uns tantos para casa. Há dias em que desligo, outros há (mais dos que os primeiros, em boa verdade) em que a Mimi partilha a atenção com os pensamentos que trago, de uns quantos miúdos que vieram comigo. E dos seus pais, das suas mães, daquilo que os está a construir de forma incompleta e que me faz doer a alma por não conseguir completar.

Não sei, efetivamente, para onde vou (já deveria saber, que tenho mais do que idade para isso). A vida fez da educação os meus dias. Os meus dias fazem-se ainda de outros sonhos. Mas depois há os olhares que me chamam e que me dizem que estou aqui, professora, olha para por mim. Se quero que eles saibam os tempos verbais? Quero, sim. Se prefiro ensinar-lhes que a vida é bem mais do que todos os verbos que possam conjugar? É por aí o caminho.

Depois, bem...depois, dias que marcam a vida e a alma da gente. Dias em que nos tocam e em que se aprende mais do que ensina. Num colégio qualquer. Numa escola qualquer. Basta estar. É preciso Estar. Estar, ouvir e um abraço. A melhor de todas as lições. 

[e, na verdade, adorando o que faço, continuo sem saber se este é o caminho.]
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