04.03.18



Querida menina dos olhos tristes,

não sei o teu nome mas imagino que a tua idade não ande muito longe da da Mimi. Ela também tem uma bebé, como tu, que traz sempre consigo.

Preciso pedir-te desculpa. Muitas vezes. Por este mundo cruel, de homens cruéis. Pedir-te desculpa por, da altura dos teus poucos anos, teres a lucidez de tapar os olhos a quem, inocentemente, abraças, para que não veja a guerra que, homens que não deveriam viver, aí fazem. Pedir desculpa por teres visto já o que ninguém, em cem anos que viva, deveria ver. Pedir desculpa pelo nada que te rodeia, em troca de prazeres egoístas e vazios de qualquer objetivo. Pedir desculpa agora e saber que todos os dias da vida não chegariam para fazê-lo devidamente.

Nunca entendi a guerra, menina dos olhos tristes. Lembro-me, pequena, de ver na televisão o início de uma. No dia seguinte, falámos, na escola, sobre isso. Em casa, falávamos. E eu nunca entendi. Não consigo, por mais que cresça e me esforce. Podem vir com teorias económicas, históricas, sociais, religiosas. Podem vir com enciclopédias, recuar no tempo, fazer antevisões. Não vale a pena. Nunca entendi, não vou e nem quero entender. Será sempre estupidez, cobardia, egoísmo, maldade, irracionalidade.

Quando a Maria me diz que alguém é mau, eu digo-lhe logo que não, que ninguém é mau e que as pessoas são boas. Sei que lhe minto e mais não faço do que ser igual a ti e tapar-lhe, por enquanto, os olhos para que não veja o cinzento (bem escuro) do mundo. Depois, revejo-te no pensamento e confirmo que mau é pouco para adjetivar quem maltratou o teu mundo. Deviam ser eles a estar na tua rua.

Queria trazer-te para casa. Encher-te de beijinhos. Dizer-te baixinho que o mundo não é assim e que vai ficar tudo bem. Voltar a encher-te de beijinhos. Mostrar à tua bebé que o horizonte traz coisas boas.  Tranquilizar-te e prometer que vai ficar tudo bem.

Tenho, nos braços, uma Mimi que dorme sossegada e que vai construindo, em si, todos os sonhos do mundo. Tenho, no coração apertado, uma menina de olhos tristes que já tem, em si, os maiores pesadelos da vida. Sufoca-me a dor na garganta com o ar que não passa.

Não posso dar-te beijinhos. Nunca, em ti, irá ficar tudo bem.
Desculpa. 
🙏

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