Do(s) Papa(s) e de como os olho ainda
O regresso à escrita é sempre um regresso a uma qualquer raiz que nos prende ao solo e que, por isso, pode custar a desprender. Há, no entanto, momentos em que, ao prazer da página em branco, se junta a necessidade de verbalização de pensamentos e a partilha do que nos vai pela alma…algures…
É inevitável para qualquer
cidadão atento do mundo ficar alheado das notícias que têm chegado do Vaticano.
É, para mim, completamente impossível
permanecer-lhes indiferente e não olhar para trás e, logo depois, vir a lágrima
ao canto do olho de tantas recordações e, com elas, a lembranças das voltas e
voltas que a vida dá.
Vi João Paulo II, pela primeira
vez, em Paris (ohhh…em Paris). Não passava de uma miúda que queria ver o mundo
entre dois olhares e, já que ali estávamos, ouvir o que o Papa tinha para
dizer. Confesso que pouco recordo (perdoe-me o CT mas quem diz verdade não
merece castigo).
Vi, naquele imenso Champs de
Mars, um JP II que achei não voltaria a ver muitas mais vezes, tal a debilidade
com que se apresentou, num Agosto quente e não muito favorável a viagens para
aquele sorriso já de longa idade.
Voltámos a encontrar-nos quatro
anos depois. Roma. Agosto de 2000. Perto de 40º de temperatura ao longo do dia.
Perto de 3,5 milhões de habitantes temporários a mais na capital italiana.
No intervalo das sirenes que corriam uma Tor
Vergata abafada pelo sol excessivo e que, de minutos a minutos, era regada
pelas mangueiras dos bombeiros, por forma a evitar que aumentasse o número de
auxílios médicos necessários, uma voz anuncia que o helicóptero que traz o Papa
estava a aterrar ali mesmo. Silêncio. Um silêncio que não esquecerei de tão
arrepiante. 4 milhões. Eramos perto de 4 milhões. E um silêncio de longos
segundos com os olhos postos em dezenas de écrans e no céu. Palmas. Minutos de
palmas. E vivas. Milhares de vivas. Juan
Pablo II te quiere todo el mundo. Hispano-falantes em maioria. E o tal
arrepio. Um tremendo arrepio que vive em mim até hoje. O primeiro de dois dias.
Guardo, daquelas horas únicas,
todos os sons, os cheiros, as palavras, as imagens. Ali vi o JP II que todos
nós temos na retina. A corporização do carinho, da ternura, do carregar em si o
mundo, do perdão, do carisma, do amor. Vi um JP II rejuvenescido, a bater o pé
ao som das músicas, a bater palmas, a cantar, a falar com cada um como se de um
encontro individual se tratasse. Não esqueci o que nos disse, num português
irrepreensível. E um hino que ainda hoje percorro sem esquecer uma palavra e
que me leva de volta àquele quente Agosto de um Jubileu histórico.
Vi, pois, um JP II que achei ir
rever nas JMJ seguintes. Como nos engana a nossa vontade!
2005. Colónia, Alemanha. Pouco
calor. Muita chuva. À minha volta, pouco mais de uma centena de (agora) amigos,
um de cada país do mundo. E o Papa. O novo Papa, na sua primeira viagem
internacional, numa prova dura de enfrentar jovens que cresceram no colo de JP
II.
Hoje, a televisão repete à
exaustão as imagens de Bento XVI num barco ao longo do Reno, com a Catedral de
Colónia ao fundo. E, naquele barco, eu também.
Guardo também um olhar carinhoso,
a desmistificação do alemão frio que se julgava ocupar o lugar de Pedro. Guardo
a tentativa de aproximação, o sorriso não tão aberto, as mãos a tocar quem
estava ao lado. E eu no barco. E no altar do Estádio e em Marienfield.
Guardo, sobretudo (e que me perdoem
os mais defensores da não comparação), os milhares de pessoas ao longo do rio,
o cartaz da Diocese de Braga que, em letras garrafais, me deu uma das imagens que,
da Alemanha, mais gravei (“Obrigado João Paulo II. Estamos contigo Bento XVI”),
a resistência à chuva em Marienfield, o perder de vista imenso que se tem desde
o altar, o carinho com que o Papa foi recebido.
É o que mais guardo (não apenas,
mas de forma mais intensa). De Bento XVI? A marca irrefutável. Mas o Papa? O Papa?
Ah! O Papa é João Paulo II e a Tor Vergata em Agosto de 2000 e o hino Emmanuel, todo aquele calor e o Seu
sorriso. O sorriso que ainda hoje
guardo em mim e que me traduz Igreja. Quando tudo e todos e todos os países se
fundem naquele sorriso que também (me) falou português e que comigo ouviu um
angolano a falar-lhe também português…. Ali ficou meu coração porque do Reno
trago a experiência e a memória.
Se admiro Bento XVI? Sim, muito.
Acompanhei-o, li-o, conheci-o até. Mas (e consciente da repetição), o Papa? O
meu Papa? João Paulo II… te quiere todo
el mundo.
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